Portugal à deriva: Três Governos em Três Anos
Nos últimos anos, Portugal tem enfrentado um nível de instabilidade política que não se fazia sentir desde os primeiros anos da democracia. O país passou por múltiplos governos num curto espaço de tempo, reflexo não só de crises políticas e institucionais, mas também da dificuldade de garantir estabilidade governativa num sistema cada vez mais fragmentado.
O início do ciclo de instabilidade remonta às eleições de 2019, em que o Partido Socialista (PS) venceu sem maioria absoluta, optando por governar sozinho, ao contrário do que acontecera na legislatura anterior com a "Geringonça". No entanto, sem um acordo formal com outros partidos, a governação tornou-se mais frágil e, em 2021, o chumbo do Orçamento de Estado levou à dissolução da Assembleia da República e à convocação de eleições antecipadas em janeiro de 2022.
Desta vez, o PS conquistou uma maioria absoluta, o que permitiu a António Costa governar sem dependência parlamentar. Contudo, essa estabilidade revelou-se ilusória quando em novembro de 2023, Costa se demitiu na sequência de uma investigação judicial, desencadeando novas eleições legislativas em 2024.
Nessas eleições, o Partido Social Democrata (PSD), até então na oposição, saiu vitorioso. No entanto, o novo Governo liderado por Luís Montenegro caiu em março de 2025, após perder uma moção de confiança no parlamento, desencadeada por alegações de conflitos de interesse ligados à empresa de consultoria da sua família. Esta situação levará Portugal, mais uma vez, a eleições antecipadas e reforça a incerteza sobre a capacidade do país em garantir uma governação estável.
A instabilidade política é um fenómeno presente em diversas democracias contemporâneas. Em Espanha, as eleições sucessivas não têm resultado em governos estáveis, enquanto Itália mantém a sua longa tradição de fragilidade governativa. No Reino Unido, a rápida sucessão de primeiros-ministros desde 2019 evidencia igualmente os desafios de manter um governo funcional em tempos de incerteza política. Estas dificuldades refletem mudanças estruturais nas democracias contemporâneas, onde a fragmentação partidária e a polarização ideológica dificultam a formação de maiorias estáveis. Além disso, a pressão constante da opinião pública e a volatilidade do eleitorado reduzem a margem para compromissos, reforçando ciclos de instabilidade.
Embora a instabilidade política seja um fenómeno global, em Portugal assume contornos particularmente preocupantes. Assim, a questão que se coloca é: será possível governar Portugal sem maiorias absolutas? Deverá o país optar por um sistema mais baseado na negociação?
Para compreender melhor os desafios que Portugal enfrenta, é essencial analisar as causas profundas desta instabilidade, que não resulta apenas de acontecimentos pontuais, mas de fatores estruturais. A crescente fragmentação partidária e a polarização ideológica têm dificultado a formação de governos estáveis, tornando a negociação não apenas desejável, mas inevitável. A crise recente, desde a queda do Governo de António Costa em 2023 até à fragmentação agravada nas eleições de 2024, demonstra que nem mesmo uma maioria absoluta garante estabilidade. Além disso, a ascensão do populismo e a falta de uma cultura de compromisso agravam a governabilidade, visto que ao contrário de países como a Alemanha, onde os acordos multipartidários são comuns, em Portugal a negociação é frequentemente vista como fragilidade, perpetuando bloqueios institucionais. Outro fator que contribui para o ambiente de instabilidade política é a crescente desinformação gerada pelo excesso de informação disponível. As redes sociais amplificam a polarização, o que alimenta narrativas extremadas e dificulta o diálogo. Neste sentido, sem mudanças na cultura política e no sistema parlamentar, a fragmentação e a ausência de consensos continuarão a comprometer tanto a implementação de reformas estruturais como a própria estabilidade governativa.
Apesar destes desafios, a governação sem maiorias absolutas não é por si só um problema. Como sabemos, em muitos países, governos minoritários conseguem funcionar de forma eficaz através da negociação e da construção de consensos. Contudo, a realidade portuguesa apresenta desafios, que dificultam a viabilidade deste modelo.
O primeiro obstáculo são os bloqueios legislativos, uma vez que, sem uma maioria clara, cada votação no parlamento torna-se incerta, obrigando o Governo a negociar apoios para cada medida. Isto pode resultar em dificuldades constantes na aprovação de medidas e na ineficácia governativa, dificultando a execução de políticas públicas. Além disso, a falta de previsibilidade aumenta a instabilidade, deixando o Governo vulnerável a moções de censura e crises políticas sucessivas caso a oposição se recuse a cooperar. Esta fragilidade compromete a implementação de reformas estruturais essenciais, como aquelas necessárias para enfrentar a crise habitacional, o envelhecimento da população e o crescimento económico, problemas que exigem soluções de longo prazo e estabilidade governativa para serem eficazmente abordados.
Apesar dos desafios, a verdade é que um governo minoritário pode também trazer benefícios. A necessidade de negociar cada medida pode resultar num maior escrutínio e transparência, obrigando o Governo a justificar melhor as suas decisões e a envolver diferentes forças políticas, prevenindo excessos de poder. Além disso, a negociação permanente pode conduzir a políticas mais equilibradas e representativas, baseadas em compromissos entre diversas sensibilidades políticas. Exemplos como a Suécia, a Dinamarca e o Canadá demonstram que governos minoritários podem ser eficazes quando há uma cultura de compromisso. Nestes países, os partidos negociam acordos programáticos que garantem apoio em questões fundamentais sem necessidade de coligações formais, permitindo estabilidade e evitando a paralisia do sistema.
Assim, a viabilidade de um governo minoritário depende, acima de tudo, da existência de uma cultura de compromisso político, assente na capacidade dos partidos para dialogar e construir soluções conjuntas. Enquanto a política for dominada por rivalidades e o interesse partidário prevalecer sobre o interesse nacional, a governabilidade continuará a ser um desafio estrutural. Além disso, os próprios eleitores contribuem para este cenário ao percecionarem os partidos quase como clubes de futebol, o que contribui para a polarização em vez de exigirem cooperação. Para que governos minoritários possam funcionar, é essencial uma mudança de mentalidade, em que o compromisso e a negociação sejam encarados como pilares fundamentais da democracia, e não como sinais de fraqueza política.
De forma a evitar ciclos contínuos de instabilidade, torna-se fundamental repensar o sistema político português e adotar medidas que garantam maior previsibilidade governativa. Uma das soluções possíveis seria a implementação de alterações no funcionamento parlamentar, como a exigência de que qualquer moção de censura bem-sucedida fosse acompanhada da apresentação de um governo alternativo. Outra medida a considerar seria a reforma do sistema eleitoral, introduzindo o voto preferencial ou um mecanismo de bonificação ao partido mais votado, facilitando a formação de maiorias mais estáveis sem comprometer a representatividade democrática.
No entanto, a solução que considero mais eficaz para garantir estabilidade governativa passa pela adoção de acordos programáticos entre partidos. Em vez de coligações formais, muitas vezes instáveis e difíceis de manter, os partidos poderiam estabelecer compromissos claros que assegurassem um mínimo de estabilidade governativa. Este modelo já provou ser eficaz em países como Dinamarca e Suécia, onde governos minoritários operam com base em entendimentos bem definidos que garantem apoio em questões-chave sem comprometer a autonomia dos partidos.
Ainda assim, nenhuma destas medidas terá um impacto significativo sem uma verdadeira mudança de mentalidade política. O maior desafio será transformar a forma como a política em Portugal é feita, promovendo uma cultura de compromisso e diálogo que permita assegurar maior estabilidade governativa a longo prazo. A experiência internacional mostra que esta transformação é um processo gradual, impulsionado muitas vezes por crises que forçaram compromissos entre forças adversárias. Em Portugal, esta mudança exigirá ainda uma mudança na forma como os partidos interagem, adotando uma postura mais construtiva e orientada para o consenso.
Em suma, a instabilidade política em Portugal reflete desafios estruturais que exigem mais do que simples reformas institucionais. Embora o país tenha capacidade para funcionar sem maiorias absolutas, isso só será possível com mudanças profundas na cultura política. Sem diálogo e compromisso entre partidos, qualquer governo minoritário estará condenado ao fracasso. O futuro da governabilidade dependerá da responsabilidade dos líderes políticos e da exigência dos cidadãos por um sistema mais estável e funcional. Caso contrário, Portugal continuará preso a ciclos de instabilidade, comprometendo não só a governabilidade, mas também a confiança na democracia.