O Silêncio que Enfraquece a Democracia

3/16/2025

Inês Pelayo Maia

Em Portugal, o direito ao voto foi formalmente instituído com a implantação da República em 1910, no entanto, à semelhança de outros países europeus, era limitado a pessoas com determinadas características. Apenas após o 25 de Abril de 1974, este direito foi universalizado e passou a abranger todos os cidadãos com idade igual ou superior a 18 anos, independentemente do género, nível de alfabetização, condição económica ou posição social.

Vale salientar, dada a recente celebração do Dia da Mulher, que este ano assinala os 50 anos do direito ao voto das mulheres em Portugal. Curiosamente, a primeira mulher a votar foi Beatriz Ângelo, em 1911, devido a uma lacuna na lei que foi rapidamente alterada para que apenas os homens pudessem votar. Neste sentido, é muito importante não darmos este direito como garantido, nem ignorarmos os anos de luta que permitiram conquistá-lo. A história mostra- nos que os direitos podem ser retirados tão rapidamente quanto são conquistados, afinal, votar não é apenas um direito mas também um dever cívico.

A verdade é que nos primeiros anos da Democracia, as eleições registaram uma participação massiva, reflexo do entusiasmo pelo recém-conquistado direito ao voto. Contudo, ao longo das décadas, a taxa de abstenção, que corresponde à decisão de não participar num ato eleitoral e reflete o grau de envolvimento cívico e político da população, tem aumentado de forma alarmante. Efetivamente, nas primeiras eleições legislativas democráticas, realizadas em 1975, a abstenção registada foi de 8,34%, o que contrasta com os 48,5% das eleições legislativas de 2022. Este fenómeno não é apenas estatístico, já que traduz de forma clara o desinteresse, a desconfiança e a insatisfação por parte dos cidadãos em relação ao sistema político.

A tendência de aumento da abstenção não é uma ocorrência exclusiva de Portugal, visto que em diversos países europeus a participação eleitoral tem vindo a diminuir. Em França, por exemplo, a taxa de abstenção na segunda volta das eleições legislativas de 2022 atingiu 53,8%, um dos valores mais elevados da história do país. Já na Suécia, a participação eleitoral manteve-se elevada, com uma taxa de abstenção de apenas 19,3% nas eleições de 2022, o que se deve à cultura cívica e ao bom funcionamento das instituições, que promovem transparência, confiança e acessibilidade ao voto.

De facto, a participação eleitoral é um dos pilares fundamentais da democracia, sendo através do voto que os cidadãos, ao expressarem a suas preferências, têm a oportunidade de influenciar o rumo político do país. Por oposição, o silêncio, manifestado pela crescente abstenção, traduz-se no enfraquecimento do próprio sistema democrático. É, portanto, lamentável que tantos cidadãos optem por não participar nos momentos eleitorais, deixando as decisões que impactarão a vida de todos nós nas mãos de uma minoria, o que compromete a representatividade essencial na democracia.

No entanto, apesar da importância do voto para o fortalecimento da Democracia, diversos fatores contribuem para a elevada taxa de abstenção eleitoral. Sendo que uma das principais causas da abstenção consiste na falta de interesse político, associada à perceção de que os políticos não cumprem as suas promessas e priorizam os seus interesses pessoais ou partidários, ao invés das necessidades da sociedade. É lamentável que estes comportamentos persistam, alimentados por polémicas e escândalos, que justificam a desilusão e a desconfiança dos cidadãos. Outra razão, frequentemente apontada para a elevada taxa de abstenção, é o facto de muitos eleitores não se identificarem com os partidos existentes ou com as propostas apresentadas e sentirem que nenhuma força política reflete as suas prioridades e interesses. Este problema reflete a desconexão entre a realidade dos políticos e a realidade vivida pelos cidadãos, o que contribui para que a população considere o seu voto inútil. Finalmente, é necessário considerar o impacto da mobilidade e da emigração, dado que vários cidadãos residentes no estrangeiro não participam nos atos eleitorais, seja por desinformação, pela burocracia envolvida ou por desinteresse no contexto político nacional.

A abstenção é entendida como um problema multidimensional que exige uma abordagem integrada para promover uma maior participação cívica e revitalizar o envolvimento democrático em Portugal. Desta forma, torna-se necessário investir em medidas de educação cívica, desde os primeiros anos de escolaridade, que promovam o conhecimento sobre o funcionamento das instituições democráticas, assim como a importância do voto. No entanto, é igualmente crucial reconhecer que esta responsabilidade não recai apenas sobre os eleitores, mas também sobre as instituições e os partidos, assim, é importante a adoção de políticas que priorizem a transparência. Além disso, podem ser realizadas iniciativas como debates abertos em várias localidades que permitam a aproximação entre os cidadãos e os candidatos. Por fim, a modernização dos processos eleitorais é fundamental, incluindo a digitalização do processo de voto, que deverá contribuir para aumentar a participação eleitoral, nomeadamente dos jovens e dos imigrantes.

Contrariamente à tendência atual da taxa de abstenção, nas eleições legislativas de 2024 esta taxa registou uma diminuição, passando para 38,8%, sendo a mais baixa desde 1995. Este resultado, que coincidiu com a celebração dos 50 anos do 25 de Abril, foi saudado como um avanço por vários líderes partidários, que destacaram a importância simbólica deste aumento na participação eleitoral. No entanto, apesar de ser uma conquista significativa, é fundamental compreender os fatores que levaram a esta mudança, nomeadamente o contexto de celebração dos 50 anos do 25 de abril e as campanhas de apelo ao voto que foram determinantes, e ainda a possibilidade de voto antecipado, que facilitou a participação de vários eleitores. Por outro lado, o crescente descontentamento com o sistema político também desempenhou um papel importante, visto que muitos eleitores procuraram expressar a sua insatisfação através do voto num partido extremista que registou um crescimento significativo nestas eleições, tendência já observada noutros países europeus.

É interessante, e também lamentável, analisar que nestas eleições uma parte significativa dos eleitores, que em eleições anteriores se abstinham, desta vez se deslocaram às urnas para apoiar um partido extremista e populista. Estes eleitores foram movidos pelo descontentamento com o sistema político e pela ilusão de mudança por parte de um líder partidário que se mostra contra o sistema, apesar de ambicionar fazer parte do mesmo. Não é desconhecido por ninguém que a ascensão deste partido tem por base os discursos populistas que apelam a uma divisão da população, assim como à capitalização de temas polémicos como a imigração e a criminalidade. Além disso, este partido apresenta ainda soluções aparentemente simples, apesar de muitas vezes inviáveis ou mesmo inconstitucionais, o que permite captar votos pela linguagem simples, alimentar expectativas irrealistas e intensificar a polarização no debate público.

Nos últimos meses temos assistido a diversas polémicas de deputados e militantes do Chega envolvidos em escândalos que contrastam com as bandeiras do partido, o que pode contribuir para o desgaste da imagem desta força política e para exposição da sua verdadeira natureza. No entanto, se há algo que as últimas eleições legislativas nos mostraram, é que a Democracia não pode ser considerada como garantida. Para que o nosso sistema político não se deteriore é essencial que os partidos e as instituições políticas se adaptem e assumam a responsabilidade de reconquistar a confiança dos cidadãos, promovendo uma maior transparência e reforçando a defesa dos valores democráticos, sem ceder ao populismo.

Atualmente, Portugal vive um contexto de instabilidade política, que levará o país a novas eleições ainda este ano. Nesta situação de incerteza, sublinha-se a importância do ato de votar, visto que é através do mesmo que os cidadãos têm a possibilidade de influenciar o rumo político do país e contribuir para a estabilidade democrática. Caso o cenário de eleições se confirme, a afluência às urnas pode vir a sofrer uma queda, como verificado em Espanha em 2019 num cenário de repetição de eleições que desmotiva e desincentiva os eleitores a votar. Por outro lado, a incerteza política e a perceção deste ser um momento decisivo podem ter o efeito contrário, mobilizando grande parte dos cidadãos para votar, como aconteceu em França em 2022. Seria desejável que se verificasse a segunda opção, persistindo em contrariar a tendência crescente da abstenção. No entanto, independentemente do cenário que se venha a concretizar, é essencial que os cidadãos reconheçam a importância do seu voto e não se esqueçam que a Democracia se constrói com a participação ativa e consciente de cada um de nós.

É inegável que o crescimento da abstenção e do populismo são desafios atuais que ameaçam a Democracia em Portugal. Se, por um lado, a falta de confiança nas instituições afasta os cidadãos da participação política, por outro, esse afastamento cria espaço para discursos populistas e soluções perigosas e ilusórias. Assim, cabe tanto aos partidos e instituições políticas garantir que a democracia não se degrade, como a nós, que devemos exigir transparência, participar no debate público e, acima de tudo, votar de forma informada. No final, quem contribui para os riscos da democracia não são apenas aqueles que a pretendem enfraquecer, mas também quem, por inércia ou desinteresse, deixa de a defender. Por isso, não votar não é isentar-se da responsabilidade, mas pelo contrário compactuar com o desfecho, ao aceitar passivamente as decisões dos outros para o país e consequentemente para a sua própria vida.