O Futuro do Dólar
O dólar norte-americano tem sido, durante muito tempo, a moeda global dominante, tanto no comércio internacional, nos mercados financeiros e até nas dinâmicas geopolíticas. No entanto, à medida que o poder económico se desloca e as alianças globais evoluem, a supremacia do dólar enfrenta novos desafios.
A evolução histórica do dólar, desde o Gold Standard até ao sistema de Bretton Woods, teve um papel crucial na sua consolidação como moeda de reserva mundial. Contudo, fatores emergentes, como a ascensão das criptomoedas e dos ativos digitais, introduzem novas incertezas no sistema financeiro global.
A ascensão do dólar norte-americano como moeda dominante foi moldada por transformações financeiras e económicas fundamentais. Inicialmente, os Estados Unidos da América (EUA) operavam sob o Gold Standard, um sistema em que o valor do dólar estava diretamente ligado a uma quantidade fixa de ouro. Este sistema proporcionava estabilidade e confiança na moeda, no entanto, limitava a capacidade do governo de expandir a oferta de moeda quando necessário. O Acordo de Bretton Woods, em 1944, representou uma mudança significativa, estabelecendo o dólar como a moeda de reserva mundial, indexada ao ouro, enquanto as outras moedas importantes passaram a estar atreladas ao dólar. Os países passaram a ter a necessidade de manter reservas em dólares para facilitar transações internacionais. No entanto, devido ao crescente endividamento dos EUA e à pressão inflacionária, o sistema colapsou em 1971. O Presidente Richard Nixon pôs fim à convertibilidade direta do dólar em ouro, e adotou um novo sistema monetário, onde o valor do dólar passou a ser determinado pelas forças do mercado.
Após o fim do Gold Standard, o dólar manteve a sua influência global através do sistema do petrodólar, no qual os países produtores de petróleo acordaram em comercializar petróleo exclusivamente em dólares norte-americanos. Isso criou uma procura contínua pela moeda, garantindo a estabilidade necessária para que solidificasse a posição como pilar do comércio mundial.
O dólar dos EUA tem sido, durante décadas, a principal moeda de reserva global, detida por bancos centrais em todo o mundo para facilitar o comércio internacional e garantir a estabilidade financeira. No terceiro trimestre de 2024, o dólar representava aproximadamente 57,4% das reservas cambiais globais alocadas, uma descida face aos 66% em 2015. Esta redução reflete uma diversificação das reservas por parte dos bancos centrais, incluindo a aposta em ouro. Por exemplo, em 2024, o banco central da China aumentou as suas reservas de ouro em 44,17 toneladas, atingindo um recorde de 2.279,57 toneladas e consolidou-se como o sexto maior detentor de ouro a nível mundial. Da mesma forma, outros países como Brasil e Índia têm aumentado as suas reservas de ouro, através de uma estratégia de diversificação de ativos e um afastamento da excessiva dependência do dólar.
A tendência de "desdolarização" tem sido motivada por fatores como a desconfiança nos níveis de dívida dos EUA, a inflação global e a vontade de reduzir a exposição ao dólar. O aumento das reservas de ouro tem sido uma estratégia adotada por vários países para fortalecer as suas economias e reduzir os riscos associados à dependência de uma única moeda. Além disso, o ouro “físico” tem a vantagem de não deixar rasto, enquanto transações em dólares são mais facilmente rastreáveis. Regimes pouco democráticos, têm preferência por ativos mais difíceis de rastrear.
O valor do dólar é influenciado pela interação de políticas económicas, dinâmicas de mercado e fatores geopolíticos. A política monetária dos EUA, particularmente as decisões da Reserva Federal (Fed), tem um impacto direto na força do dólar. Quando o Fed aumenta as taxas de juro, o custo da dívida sobe. Esta taxa mais elevada representa uma oportunidade para os investidores privados estrangeiros que são atraídos a investir no país em ativos em dólares, fortalecendo a moeda local. Pelo contrário, quando as taxas são reduzidas, o dólar tende a enfraquecer à medida que os investidores procuram rendimentos mais altos noutras moedas. A inflação também influência diretamente o valor da moeda, podendo diminuir o poder de compra e provocando a desvalorização do dólar, a menos que seja controlada por medidas de política monetária.
Outro fator determinante é o desempenho económico dos EUA e os níveis de endividamento. Uma economia forte e em crescimento tende a aumentar a confiança dos investidores no dólar, impulsionando a sua procura. No entanto, o crescente endividamento nacional dos EUA levanta algumas preocupações. Se os investidores considerarem a dívida excessiva como um risco, a confiança no dólar pode diminuir. Além disso, o défice da balança comercial dos EUA, pode exercer pressão descendente sobre o dólar a longo prazo.
A estabilidade geopolítica e as relações comerciais também influenciam a força do dólar. Historicamente, o dólar tem sido visto como uma moeda de refúgio seguro, o que significa que, em tempos de crise global, os investidores recorrem a ele como um ativo seguro. No entanto, conflitos diplomáticos ou guerras comerciais podem prejudicar o seu valor. No caso das políticas protecionistas de Donald Trump, como a imposição de tarifas sobre importações da China, Canadá e União Europeia, resultaram em retaliações económicas por parte destes países. Essas medidas prejudicam as exportações dos EUA, enfraquecem o crescimento económico e reduzem a procura global pelo dólar.
Ao longo do tempo, o domínio do dólar tem sido desafiado por mudanças económicas, crises financeiras e avanços tecnológicos. Hoje, existem novos fatores e tendências, como o crescimento das criptomoedas e das Central Bank Digital Currency (CBDCs), que são vistas como ameaças ao sistema financeiro tradicional. À medida que o mundo avança para um modelo financeiro mais digital, o futuro do dólar norte-americano pode depender da sua capacidade de se adaptar a estas novas dinâmicas económicas. A União Europeia já trabalha na criação da sua CBDC desde 2021. Está em fase de preparação desde 2023 e espera-se que saia um protótipo ainda em 2025, apesar de não existir uma data oficial. Quando disponível, o “Digital euro” facilitará as transações monetárias entre pessoas na Zona Euro. A China foi pioneira nesta tecnologia, quando em 2014 começou a desenvolver o “Yuan Digital” (e-CNY). Em 2022, já era aceite como método de pagamento nos Jogos Olímpicos de Pequim, atualmente está numa fase avançada de testes e é utilizado em algumas regiões do território chinês.
As inovações tecnológicas e as moedas digitais estão a emergir como potenciais fatores de disrupção. O crescimento das criptomoedas e das Central Bank Digital Currency (CBDCs) introduziu sistemas financeiros alternativos que podem desafiar a supremacia do dólar. Criptomoedas como o Bitcoin oferecem alternativas descentralizadas, enquanto as CBDCs, como o yuan digital da China, são criadas para reforçar o controlo do Estado sobre os sistemas monetários. Se estes ativos digitais forem adotados, podem vir a enfraquecer a influência do dólar nas transações globais. Os EUA para que não fiquem para trás nesta matéria, devem adaptar-se e modernizar-se.
Os BRICS — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — representam um bloco de economias emergentes que procuram diminuir a dependência do dólar norte-americano no comércio global. Nos últimos anos, alguns destes países tiveram conflitos com os EUA e manifestaram preocupações sobre a sua predominância no sistema financeiro internacional. Levantam-se debates sobre a criação de uma moeda alternativa para facilitar o comércio e reforçar a sua soberania económica. O poder dos BRICS foi significativamente ampliado com a inclusão de novos países, frequentemente referidos como BRICS+. Este grupo inclui a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos (EAU), o Irão e outros países que desempenham papéis fundamentais nos mercados globais de petróleo e comércio, aumentando ainda mais a força e o poder deste bloco, na economia mundial. Juntos, os BRICS e os BRICS+ representam mais de 40% da população mundial e uma parte substancial do PIB global. A influência desta aliança faz-se sentir não só nas esferas política e financeira, mas também em setores como a energia e o comércio.
Um dos principais fatores que fortalece a independência financeira dos países BRICS+ é a sua influência no setor energético. Os países do BRICS+, especialmente a Arábia Saudita e a Rússia, têm papéis principais no mercado global de petróleo, sendo responsáveis por uma parte significativa da produção e exportação mundial. Enquanto principais exportadores de petróleo, estes países detêm um enorme poder sobre os preços da energia globais. Historicamente, o petróleo tem sido comercializado em dólares, um sistema conhecido como petrodólar, que tem reforçado a posição do dólar como a principal moeda de reserva global. No entanto, os países do BRICS+ podem explorar mecanismos alternativos de comércio para contornar o uso do dólar nas transações petrolíferas, com o intuito de conseguirem maior soberania económica e diversificação das suas reservas financeiras. O interesse da Arábia Saudita em negociar petróleo noutras moedas, como o yuan chinês, tem gerado debates sobre uma possível mudança na “PetroCurrency”. Além da Arábia Saudita, outros países como Rússia e Irão já levantaram esta questão, é um tema cada vez mais relevante. Embora esta possível mudança não passe apenas de uma possibilidade, levanta uma questão crucial: terão os países do BRICS+ poder suficiente para remodelar a supremacia do petrodólar? A resposta permanece incerta, mas a crescente influência destas nações no mercado de petróleo global torna esta possibilidade cada vez mais relevante.
Países como a China e a Índia já estão a aumentar as suas reservas de ouro, enquanto a Rússia tem trabalhado ativamente para dissociar a sua economia do dólar. Esta crescente tendência de “desdolarização” dentro dos BRICS+ levanta uma questão importante: poderão estes países desenvolver uma moeda única de reserva global ou um sistema financeiro que concorra com o dólar? A resposta dependerá da sua estratégia para estabelecer uma moeda com o mesmo nível de confiança, estabilidade e liquidez que o dólar norte-americano atualmente possui.
Apesar do potencial, a criação de uma moeda BRICS+ enfrenta alguns desafios. Um dos principais obstáculos reside em questões políticas do bloco BRICS+. Vários destes países, como a Rússia e a China, estão associados a regimes não democráticos, o que pode representar uma barreira significativa para convencer a comunidade internacional a adotar a sua moeda. O risco político é uma preocupação central para investidores, pois a estabilidade e a transparência são fatores cruciais para manter a confiança numa moeda. A ausência de processos democráticos e as preocupações com os direitos humanos em alguns dos países BRICS+ podem desencorajar outras nações a aderir plenamente a uma nova moeda, especialmente tendo em conta o risco de instabilidade política ou medidas autoritárias que possam afetar transações financeiras.
O futuro do dólar norte-americano é um tema de intenso debate, especialmente à medida que o poder económico global se desloca e novas tecnologias financeiras emergem. Embora o dólar se tenha mantido como a principal moeda de reserva mundial durante décadas (atualmente. cerca de 57,4%), existe uma mudança gradual para outras moedas, como o euro ou o yuan chinês. Uma das principais questões é se o dólar continuará a dominar ou se moedas alternativas e novos sistemas financeiros ganharão força. A ascensão dos países do BRICS+, com o seu impulso para a “desdolarização”, bem como a crescente influência das moedas digitais, são as principais ameaças ao dólar. À medida que novos sistemas financeiros evoluem, o futuro do dólar dependerá de quão eficazmente os EUA se adaptem a essas tendências e mantêm a confiança na sua economia e moeda. No entanto, apesar de todas estas pressões, o dólar continua profundamente enraizado no comércio, nas finanças e nas reservas globais, e continuará a desempenhar um papel central, pelo menos no futuro próximo.

